O QUE O TESTAMENTO DE GUGU LIBERATO NOS ENSINA

A inesperada morte de Gugu Liberato, aliada ao fato de a mãe de seus filhos querer herdar parte dos bens do apresentador, trouxe à discussão modernas questões de direito de família, como a validade do contrato de coparentalidade, os requisitos atuais para a caracterização de uma união estável e até mesmo a possibilidade de uniões simultâneas.
Se Gugu e a mãe de seus três filhos eram conviventes, fazendo ela jus à metade dos bens adquiridos na constância da união estável, não é uma questão de direito, e sim de fato, que demandará uma análise minuciosa de provas pelo Poder Judiciário. Portanto, não posso opinar.
Porém, como uma aficionada pelo estudo do direito das sucessões, matéria pouco atraente para muitos operadores do direito, e, com base nas notícias veiculadas pela imprensa, não posso deixar de constatar que Gugu Liberato usou com propriedade importantes ferramentas de planejamento sucessório, acessíveis a qualquer pessoa. Não é preciso ser titular de um patrimônio bilionário para pensar em medidas para quando você não estiver mais aqui.
Sem descartar a utilização de outros instrumentos, Gugu deixou como ato de disposição de última vontade o tradicional testamento público: documento solene e com fé pública, consolidado pela lei e pela doutrina, que por essa razão permite poucos questionamentos, desde que sua redação seja clara e sejam respeitadas regras como a legítima dos herdeiros necessários. Até agora, a justiça vem confirmando as disposições do testamento de Gugu.
Trata-se de um exemplo que confirma que um testamento bem-feito continua sendo um eficaz instrumento para estabelecer como se dará a transferência dos bens, após a morte de seu titular, sendo suficiente para a maioria das pessoas, sem a necessidade de instrumentos mais complexos como holding, trust, offshore.
Pelo noticiado até o momento, o testamento deixado por Gugu Liberato dispôs sobre:
• a regra como a parte disponível dos bens (50% do patrimônio) deverá ser distribuída, com a nomeação de filhos e sobrinhos como herdeiros testamentários;
• a nomeação de sua irmã como inventariante e representante do espólio;
• a instituição de um legado de alimentos vitalício para sua mãe;
• a estipulação expressa de afastamento do usufruto da mãe dos herdeiros menores sobre os bens que herdarão, com a nomeação de curadora especial para a administração de referidos bens.
A nomeação do curador especial é um importante instrumento para um eficaz planejamento sucessório, com o objetivo de evitar a má administração ou até a dilapidação do patrimônio herdado por um menor.
Pela regra contida no artigo 1.689, incisos I e II do Código Civil, os pais são usufrutuários dos bens dos filhos menores. Portanto, não se trata de mera administração, pois como usufrutuários recebem em seu próprio proveito os frutos e rendimentos dos bens, como por exemplo, aluguéis, lucros e dividendos de ações, podendo, inclusive, representar o filho menor em empresa da qual ele seja sócio, com direito a voto nas decisões. E tudo isso sem a obrigação de prestar contas.
No entanto, o usufruto legal pode ser afastado por meio de testamento, com a nomeação de um curador especial, para gerir os bens herdados pelo menor. Nesse caso, os frutos e rendimentos dos bens reverterão ao próprio menor e não a seu genitor, e o curador pode ser instado à prestação de contas de sua atuação.
A nomeação do curador especial é essencial em um planejamento sucessório, não apenas na hipótese de o testador não confiar no genitor de seu filho menor, mas quando entender que ele não tem experiência ou conhecimentos técnicos suficientes para gerir o patrimônio com eficácia, havendo outra pessoa mais capacitada para esta função.
Em suma, o brasileiro precisa começar a pensar em como deseja que seus bens sejam partilhados e administrados após sua morte, priorizando mais o testamento e outros recursos simples, porém de suma importância.